domingo, 9 de maio de 2010

Para o Prêmio Nobel Paul Krugmann, Grécia pode ter que "deixar o euro"

Em artigo veiculado neste domingo, o Nobel de economia Paul Krugman compara a Grécia de 2010 à Argentina de 2001. Avalia que Atenas pode ter de deixar o euro assim como Buenos Aires viu-se compelida a se livrar do peso atrelado ao dólar. Recorda que, na Argentina de ontem, acabar com a relação fixa peso-dólar parecia algo tão impensável quanto a Grécia de hoje dar adeus ao euro.
Na Grécia, como na Argentina, lembra Krugman, a simples menção à hipótese de uma meia-volta monetária faz soar o “risco de fugas de capital nos bancos”. Mas, na Argentina, "isso aconteceu mesmo assim”, anota Krugman. “E o governo argentino impôs restrições emergenciais aos saques”. Abriu-se a porta para a desvalorização do peso. E a Argentina acabou passando por esse vão. E quanto à Grécia?
Krugman escreve: “Se algo assim acontecer na Grécia, uma onda de choque se propagará pela Europa, possivelmente engatilhando crises em outros países...”. “...A não ser que os líderes europeus possam e queiram agir de forma mais ousada do que já vimos até agora, é para onde a situação se encaminha”.
Na opinião de Krugman, “os problemas da Grécia são mais profundos do que os líderes europeus estão dispostos a reconhecer”. Realça que “muitos observadores esperam que a tragédia grega acabe em inadimplência”. Acha que “eles são otimistas demais”. Por quê? O calote da dívida da Grécia, anota Krugman, “será acompanhado ou seguido pela partida da zona do euro”.
O economista norte-americano sustenta que o mundo assiste à “crônica de uma crise anunciada”. Um desastre que começou a ser esboçado quando da adoção do euro como moeda comum do mercado europeu. “[...] Falta à Europa alguns dos atributos chaves para o sucesso em uma área de moeda comum. Além disso, falta um governo centralizado”.
Nesse ponto, Krugman compara a Grécia ao Estado da Califórnia. Às voltas com um histórico de irresponsabilidade fiscal, ambos estão quebrados. Observa que o impasse político na Califórnia é até pior do que o verificado na Grécia. Mal ou bem, o parlamento grego aprovou um pacote de austeridade. 
A diferença, segundo Krugman, é que “os infortúnios fiscais da Califórnia não importam tanto, mesmo a seus próprios residentes, quanto os da Grécia”. Por quê? “Porque muito do dinheiro gasto na Califórnia vem de Washington”.  Ainda que a Califórnia tenha dificuldades para financiar sua dívida, Washington vai continuar bancando despesas correntes. O dinheiro que cobre as despesas em áreas como saúde, previdência e pagamentos a fornecedores militares “continuarão entrando”.
E se a Grécia optasse por uma reestruturação de dívida –“termo polido para uma inadimplência parcial”? . “Não ajudaria tanto quanto as pessoas imaginam”, avalia Krugman. “Os pagamentos de juro são apenas parte do déficit orçamentário da Grécia”. 
Mesmo se a Grécia parasse completamente de pagar sua dívida, o governo não teria dinheiro suficiente para evitar os cortes no orçamento que, por draconianos, levam os gregos às ruas. “A única coisa que poderia realmente reduzir a dor dos gregos seria uma recuperação econômica”, acredita Krugman.
Retomando-se o crescimento, haveria mais receita. Não seria necessário fazer tantos cortes. E vicejaria o emprego. Krugman escreve que se a Grécia tivesse moeda própria, não o euro, poderia impulsionar a recuperação de sua economia desvalorizando essa moeda. Com isso, lograria aumentar a competitividade de suas exportações. Mas a Grécia adotou o euro. O que leva Krugman a perguntar: “Como isto acaba?”
Guindo-se pela “lógica”, o economista sustenta que só há “três maneiras para a Grécia continuar na zona do euro”:
1. Os trabalhadores gregos “poderiam alcançar a redenção pelo sofrimento, aceitando grandes cortes salariais que fariam a Grécia competitiva o suficiente para criar empregos”. 
2. “O Banco Central Europeu poderia engajar-se em uma política de comprar muitos títulos de dívidas do governo e aceitar – na verdade, dando as boas-vindas –a inflação resultante. Isso faria o ajuste na Grécia e em outras nações da zona do euro muito mais fácil”.
3. Berlim poderia tornar-se para Atenas o que Washington é para o Estado da Califórnia. Ou seja, “governos europeus fiscalmente fortes poderiam oferecer a seus vizinhos mais fracos suficiente auxílio para fazer da crise algo suportável”.
Krugman arremata: “O problema, claro, é que nenhuma dessas alternativas parece politicamente plausível...”. “...O que sobra parece impensável: a Grécia deixar o euro. Quando você descarta todo o resto, é o que fica”. Daí a analogia com a Argentina de 2001.

Veja o texto de Krugmann:

UM DINHEIRO MUITO DISTANTE
Então, seria a Grécia o próximo Lehman Brothers? Não. Ela não é grande ou interconectada o suficiente para causar o congelamento dos mercados como em 2008. O que quer seja a causa do breve desmaio de mil pontos no Dow Jones não foram os atuais eventos da Europa.
Você também não deve levar a sério analistas afirmando que estamos vendo o começo de uma corrida contra todas as dívidas do governo. Os custos com empréstimos nos Estados Unidos na verdade afundaram, na quinta-feira passada, aos menores níveis em meses. E, enquanto os preocupados avisavam que a Grã-Bretanha poderia ser a próxima Grécia, as taxas britânicas também caíram levemente.
Essas são as boas notícias. A má notícia é que os problemas da Grécia são mais profundos do que os líderes europeus estão dispostos a reconhecer, mesmo agora – e os problemas são compartilhados, em grau menor, por outros países da região. Muitos observadores esperam que a tragédia grega acabe em inadimplência. Eu estou cada vez mais convencido que eles são otimistas demais, que a inadimplência será acompanhada ou seguida pela partida da zona do euro.
De certo modo, isto é a crônica de uma crise anunciada. Lembro de ter debochado, quando o Tratado de Maastricht foi assinado, colocando a Europa no caminho para o euro, que eles haviam escolhido a cidade holandesa errada para a cerimônia. Ela deveria ter tomado lugar em Arnhem, local da infame Ponte Longe Demais, em que, na II Guerra Mundial, um plano de batalha excessivamente ambicioso dos aliados acabou em desastre.
O problema, tão óbvio em consideração ao que é agora, é que falta à Europa alguns dos atributos chaves para o sucesso em uma área de moeda comum. Além disso, falta um governo centralizado.
Considere a comparação frequente entre a Grécia e o Estado da Califórnia. Ambos estão em profundos problemas fiscais, ambos têm um histórico de irresponsabilidade fiscal. E o impasse político na Califórnia é, na verdade, pior – afinal, apesar das demonstrações, o parlamento grego aprovou medidas de severa austeridade.
Mas os infortúnios fiscais da Califórnia não importam tanto, mesmo a seus próprios residentes, quanto os da Grécia. Por quê? Porque muito do dinheiro gasto na Califórnia vem de Washington, não de Sacramento. O financiamento do Estado pode ser cortado, mas reembolsos do Medicare, cheques da Previdência Social e pagamentos a fornecedores militares continuarão entrando.
O que isto quer dizer, entre outras coisas, é que os problemas fiscais não impedirão o Estado de compartilhar de uma mais vasta recuperação econômica dos EUA. Os cortes orçamentários na Grécia, por outro lado, exercerão forte efeito depressor em uma já deprimida economia.
Então seria uma reestruturação de dívida – termo polido para uma inadimplência parcial – a resposta? Não ajudaria tanto quanto as pessoas imaginam, pois pagamentos de juro são apenas parte do déficit orçamentário da Grécia. Mesmo se parasse completamente de pagar sua dívida, o governo grego não liberaria dinheiro suficiente para evitar ferozes cortes no orçamento.
A única coisa que poderia realmente reduzir a dor dos gregos seria uma recuperação econômica, que geraria maior receita, reduzindo a necessidade de corte nos gastos, e criaria empregos. Se a Grécia tivesse moeda própria, poderia tentar engendrar tal recuperação por desvalorizar esta moeda, aumentando sua competitividade nas exportações. Mas a Grécia usa o euro.
Então, como isto acaba? Pela lógica, vejo três maneiras para a Grécia continuar na zona do euro. Primeiro, os trabalhadores poderiam alcançar a redenção pelo sofrimento, aceitando grandes cortes salariais que fariam a Grécia competitiva o suficiente para criar empregos. Segundo, o Banco Central Europeu poderia engajar-se em uma política de comprar muitos títulos de dívidas do governo e aceitar – na verdade, dando as boas-vindas – a inflação resultante. Isso faria o ajuste na Grécia e em outras nações da zona do euro muito mais fácil. Ou, terceiro, Berlim poderia tornar-se para Atenas o que Washington é para Sacramento – isto é, governos europeus fiscalmente fortes poderiam oferecer a seus vizinhos mais fracos suficiente auxílio para fazer da crise algo suportável.
O problema, claro, é que nenhuma dessas alternativas parece politicamente plausível. O que sobra parece impensável: a Grécia deixar o euro. Quando você descarta todo o resto, é o que fica.
Caso isso aconteça, se desenrolará mais ou menos como a Argentina em 2001, que tinha um supostamente permanente e inquebrável peso fixo em relação ao dólar. Acabar com essa relação era considerado impensável pelas mesmas razões que deixar o euro parece impossível: mesmo sugerir a possibilidade significaria correr risco de incapacitantes fugas de capital nos bancos. Mas isso aconteceu mesmo assim, e o governo argentino impôs restrições emergenciais aos saques. Isso deixou a porta aberta para a desvalorização, e a Argentina eventualmente acabou passando por aquela porta.
Se algo assim acontecer na Grécia, uma onda de choque se propagará pela Europa, possivelmente engatilhando crises em outros países. A não ser que os líderes europeus possam e queiram agir de forma mais ousada do que já vimos até agora, é para onde a situação se encaminha.
Fontes: FolhaOnline e Zero Hora