domingo, 16 de maio de 2010

Crise do euro de 2010 lembra o rublo de 1998

Enquanto os mercados financeiros tentam absorver as notícias do pacote de resgate para a Grécia e outras economias instáveis da eurozona, alguns banqueiros e economistas veem semelhanças com a crise que levou à inadimplência da Rússia em 1998.
Há uma década, a Rússia estava na mesma situação que a Grécia está hoje, lutando para restaurar a confiança nos títulos através de um empréstimo imenso do Fundo Monetário Internacional e outros credores. Na época, assim como agora, a crise da dívida perturbou os mercados financeiros globais. E foi depositada uma grande esperança na ajuda financeira – que no caso da Rússia não deu certo.
“A Grécia gerou uma sensação impressionante de déjà vu”, escreveu Roland Nash, chefe de pesquisa para o banco de investimentos Renaissance Capital em Moscou, numa nota recente aos investidores. A ajuda financeira de 1998 para a Rússia, feita na forma de uma pacote de resgate oferecido pelo Fundo Monetário Internacional, teve como efeito postergar, mas não evitar, a inadimplência da Rússia em relação à sua dívida externa.
No período de um mês entre o anúncio do pacote e a inadimplência, bancos russos e ocidentais correram para se aproveitar da dívida de curto prazo enquanto ela amadurecia, trocaram rublos por dólares e mandaram o dinheiro para fora da Rússia.
A ajuda financeira sustentou a taxa de câmbio durante esse processo, enriquecendo os donos de títulos que saíram rapidamente e deixando o amargurado povo da Rússia com a responsabilidade pela dívida e tendo que pagar os credores, incluindo o FMI. Em 17 de agosto de 1998, quando o governo anunciou de fato a inadimplência da dívida externa e disse que permitiria que o rublo flutuasse mais livremente em relação ao dólar, o Banco Mundial e o fundo monetário já haviam desembolsado cerca de US$ 5,1 bilhões (R$ 9 bilhões) em ajuda financeira.
Alguns analistas dizem que se um padrão semelhante acontecer no resgate da eurozona, pode ser que os contribuintes europeus tenham de pagar pela ajuda financeira enquanto os investidores da dívida grega conseguirão em grande parte se sair bem.
No caso da Rússia, o fundo monetário, incentivado a agir por causa das preocupações do governo Clinton quanto às consequências políticas de um colapso financeiro na Rússia, elaborou um pacote de ajuda imenso para os parâmetros da época.
O fundo monetário e outros credores primeiro propuseram um valor de US$ 5,6 bilhões (R$ 9,9 bilhões), mas então aumentaram para US$ 22,5 bilhões (R$ 39,8 bilhões), incluindo os compromissos anteriores – o equivalente a US$ 29,5 bilhões (R$ 52,3 bilhões ) de hoje.
Na Grécia, o fundo e a União Europeia inicialmente propuseram uma ajuda de 110 bilhões de euros, ou US$ 139 bilhões (R$ 246,4 bilhões). Depois que os mercados reagiram com ceticismo, os ministros europeus das finanças se encontraram no fim de semana e propuseram um pacote de apoio financeiro de quase US$ 1 trilhão (R$ 1,77 trilhão) para a Grécia e outras economias fracas da eurozona. Eles propuseram formar um fundo de investimentos garantido pelos governos dos países mais ricos da União Europeia como a Alemanha e a França, que também teria dinheiro do fundo monetário.
Com a Rússia, as sucessivas propostas de ajuda foram rapidamente julgadas como pequenas e tardias pelo mercado, assim como aconteceu com a crise da Grécia antes do último anúncio.
“É preciso ser rápido para apagar o fogo na floresta”, disse Anatoly B. Chubais, que foi o principal negociador russo com o Fundo Monetário Internacional na crise de 1998, em respostas por escrito à perguntas sobre a ajuda financeira à Grécia.
Edmond S. Phelps, vencedor do prêmio Nobel e economista da Universidade de Columbia, citou, em entrevista por telefone, uma lição sobre a ajuda financeira de 1998: os credores deveriam anunciar sua quantia mais alta o mais rápido possível, para manter as taxas de juros baixas e diminuir o custo da ajuda. Os credores internacionais precisam entrar “com toda sua artilharia”, diz ele.
Nash, em sua nota aos investidores, escreveu que os investidores espertos que analisam a situação na Grécia e nas outras economias fracas do sul da Europa podem estar fazendo o mesmo que os investidores de títulos fizeram durante a crise da Rússia – avaliando forças financeiras negativas subjacentes tão potentes que muitos deles duvidam até mesmo do maior pacote de ajuda financeira possível.
Na época, como agora, uma crise econômica global havia deixado as economias locais pouco competitivas de acordo com as taxas de câmbio existentes. A Rússia na época havia atrelado o rublo ao dólar, a Grécia hoje está presa na eurozona.
No caso da Rússia, os preços das exportações de petróleo, essenciais para o país, haviam caído no ano anterior por causa da contração econômica na Ásia em 1997, que diminuiu a demanda. O rublo estava sob pressão para seguir essa tendência de queda. Durante muitos meses, entretanto, o banco central da Rússia manteve o rublo atrelado ao dólar – um dólar que ganhava força à medida que os investidores globais buscavam um porto seguro.
O hiato cada vez maior entre o valor decrescente do principal produto econômico russo – as exportações de petróleo – e a taxa de câmbio artificialmente alta, criou uma pressão intensa para a desvalorização.
Só depois que o banco central russo finalmente desvalorizou o rublo em agosto de 1998, e a moeda caiu 70% em apenas um mês, a economia russa começou a se recuperar. A virada foi mais rápida do que todos imaginavam. Dentro de um ano, a economia russa havia se recuperado dos níveis anteriores à crise e abriu caminho para uma década de rápido crescimento. Os bancos logo se esqueceram da inadimplência e correram para fazer negócios na Rússia.
A queda nos preços do petróleo russo na época pode ser análoga ao hiato que existe hoje entre a baixa produtividade da Grécia e do sul da Europa e os altos salários que seus trabalhadores recebem em euros. Mas pode ser mais difícil conseguir um ajuste.
“A Grécia, essencialmente, não tem um problema de dívida”, escreveu Nash. “Ela tem uma economia que não é competitiva de acordo com a taxa de câmbio atual, e que não tem a flexibilidade estrutural para se tornar competitiva.”
Em vez de uma desvalorização – que seria impossível sem desmantelar a eurozona, ou sem que a Grécia se retirasse dela – os analistas de títulos procurarão evidências de que os salários e os benefícios públicos de milhões de pessoas no sul da Europa possam ser reduzidos antes que o dinheiro da ajuda financeira acabe. Os protestos civis em Atenas deixaram muitos investidores com dúvidas de que o governo grego consiga resolver o problema cortando salários.
Deixando a economia de lado, durante a crise da Rússia o fracasso da ajuda financeira acabou alterando a política do país de uma forma que ainda hoje é sentida.
No meio da crise, à medida que ficou claro que o resgate do fundo monetário estava fracassando, cresceu o medo de uma inquietação pública na Rússia. Os mineiros de carvão bloquearam a ferrovia trans-siberiana e os moscovitas correram aos bancos.
No meio do turbilhão, o presidente Boris N. Yeltsin se sentiu pressionado a tomar uma decisão política rápida. Ele substituiu o chefe do Serviço de Segurança Federal, uma agência sucessora da KGB, por uma figura mais linha-dura, o então pouco conhecido Vladimir V. Putin.
Fonte: New York Times